segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Três vezes cereja

Passaram-se três anos. Neste tempo, ela já havia realizado o desejo. Ela não conseguiu manter-se distante daquele lugar. Ela mordeu a cereja avermelhada, a maior de todas as outras que já havia visto. Analisando todo o tempo passado, sabia que havia valido a pena correr o risco de ser pega fugindo do caminho a ser seguido. Quando se encontrava com todos aqueles que a acompanhavam desde sempre, ela se comportava como se nada tivesse mudado, embora soubesse que várias pessoas da população local já a olhassem com estranhamento. Porém, para ela, nenhum deles a incomodava: a satisfação de morder aquelas cerejas era muito grande, não deixaria de mordê-las por  conta de olhares. Na verdade, durante essa mudança, ela se sentia melhor justamente no grupo que sempre foi visto como estranho. Um dia, saindo para dar uma volta com mais uma daquelas cerejas na mão, lembrou-se de quando  passou naquele exato lugar e encontrou um homem segurando um mapa.
Os dois cumprimentaram-se. Ele pediu ajuda, gostaria de saber se ela saberia onde encontrar a caverna indicada no mapa. Ela, conhecendo uma parte do local, indicou o caminho mais próximo. "Espero que você a encontre logo", disse. Assim, o homem seguiu viagem. Ao vê-lo seguir o desejo de encontrar aquela caverna, lembrou-se de quando também sentiu uma vontade como essa, a primeira vez que avistou sua cereja preferida, "a cereja proibida" como algumas pessoas chamavam. 
Analisando toda a lembrança, ela concluiu que foi bom entregar-se a curiosidade, que foi bom não conseguir manter-se longe daquela casa, porque foi através dessas escolhas que ela hoje sentia-se bem consigo mesma, sem precisar se preocupar em ser o que esperavam dela. Ela gostava disso, embora ainda convivesse com o antigo povoado onde nasceu, onde ainda olhavam de modo estranho para os que fugiam do caminho a ser seguido. 

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